"Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres" recria clássico sueco pelas mãos de David Fincher

"Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres" recria clássico sueco pelas mãos de David Fincher

 

 

 

 

 

A versão norte-americana de “Millennium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres” (houve uma sueca, terra-natal da história) une dois craques da produção cultural, o jornalista Stieg Larsson (morto em 2004) e o cineasta David Fincher. O primeiro foi um grande repórter, coeditor e cofundador de uma revista de esquerda de sucesso na Suécia, workaholic e apaixonado pela profissão, que passou a carreira atrás de denúncias de corrupção e violência entre radicais e políticos. Também é considerado um ícone da literatura policial nórdica com a trilogia “Millennium”, embora tenha produzido sinopse para outros sete livros da série. Ajudou, também, a redefinir o jornalismo sueco com a injeção de pesquisa aguçada e faro por grandes reportagens. Já o segundo é um dos maiores diretores de cinema da atualidade e dono de filmes brilhantes e clássicos modernos; um diretor com apreço pela cultura pop e pela explosão de sensações da América. São dele “Clube da Luta”, “Seven”, “Benjamin Button” e “A Rede Social”. É dele essa nova versão para um clássico da literatura contemporânea; ambiente que revive na recriação primorosa de uma tragédia familiar com conflitos de poder. Não poderia deixar de ser: “Os Homens Que Não Amavam as Mulheres” é um filmaço.

A história não é nada simples. No ano de 1966, a jovem Harriet Vanger, herdeira de um império industrial, some sem dar vestígios. O suposto assassinato ocorre em uma ilha onde mora a família, a qual é imediatamente interditada depois do sumiço. Nem sinal da vítima. Desde então, a cada ano, Henrik Vanger, velho patriarca do clã, recebe uma flor emoldurada do suposto assassino em seu aniversário, da mesma maneira como a jovem costumava lhe entregar na comemoração. Henrik está convencido de que um Vanger a matou. Para provar sua tese, depois de quarenta anos de pesquisa sem sucesso, contrata o jornalista Mikael Blomkvist para investigar a família. O repórter está sendo acusado de difamação por Wennerström, importante empresário sueco, e vê sua reputação em baixa. Henrik lhe oferece provas contra Wennerstöm e uma volta por cima se ele resolver o caso. Para isso, Blomkvist conta com a ajuda da hacker Lisbeth Salander, uma curiosa e controversa personagem.

 

A maneira como a construção da trama se desenvolve é o que a diferencia de qualquer lugar-comum. Não há espaço para simplificações. Num primeiro ato dos longos 158 minutos de projeção, Fincher se preocupa em construir a história do desaparecimento e da ligação de Blomkvist com a trama. Em paralelo desenvolve a vida de Lisbeth sob a tutela do Estado, as dívidas, as drogas e sua vida particular. Quando as versões convergem o filme cresce em investigação e suspense. Cresce também porque Fincher sabe dosar a câmera em momentos cruciais da construção dos personagens e recriação do desaparecimento. Une-se a isso o excepcional trabalho de edição das cenas em que Blomkvist e Lisbeth procuram o resultado nada bíblico.

A relação entre os personagens também nunca é afetada pelo controle de Fincher. São vários os suspeitos do suposto crime e também são grandes as ligações entre Blomkvist, Lisbeth e Wennerström para a reconstrução da carreira do jornalista falido. A criação que Stieg Larsson fez, de jogar todos os hereges na mesma ilha, é retratada de maneira assombrosa por Fincher, que consegue correr por todas as casas e histórias sem nunca confundi-las, apenas a fim de alimentar o argumento principal.

Fincher, também, nunca perde o foco da trama policial sueca. O thriller contém densos crimes e personagens misteriosos para tratar a história do desaparecimento. A construção e o artificialismo do desaparecimento volta e meia retomam o espectador para aguçar a noção jornalística-investigativa que o diretor dá a trama. Diferentemente de “Zodíaco”, os personagens de “Os Homens Que Não Amavam as Mulheres” são mais bárbaros e mostram um amadurecimento da ligação literatura-cinema com a recriação fiel de ambiente, expectativa e conclusão.

 

O filme passeia também por temas polêmicos da cultura europeia (apesar de perder o fio da perseguição nazista) e a dicotomia entre sociedade organizada e crimes hediondos. Nos países nórdicos se encontra a melhor qualidade de vida da Terra, e é onde Larsson e tantos outros criaram tramas para mostrar como há, também, nichos podres em sociedades organizadas. Políticos corruptos, estupro, exploração da mulher e do menor, vingança e ganância são histórias que se entrelaçam na trilogia “Millennium”.

É de se admirar, portanto, a ousadia de Fincher em trazer para Hollywood uma trama consagrada no mundo e posterior à adaptação cinematográfica sueca. O diretor norte-americano bebe, porém, da obra escrita para dar fôlego ao seu manuseio com a história e com os atores. A ambientação e aclimatação são europeias e os personagens inescrupulosos. Fincher não conseguiu “americanizar” a história, o que é um alento para fãs e curiosos. Deliciem-se, portanto, com o frio das relações humanas.

 

Apesar de longa (algumas cenas são desnecessárias), a trama se segura com a trilha de Trent Reznor e o consagrado roteiro de Steven Zaillian (de “A Lista de Schindler” e “O Gângster”). O filme se propõe à resolução de todas as arestas abertas e Fincher o faz sem a preocupação do tempo. Pode ter perdido um pouco o lado comercial, mas ganhou em habilidade narrativa.

Atenção também para as atuações dos protagonistas. Daniel Craig, como Blomkvist, aparece sempre regular, como em suas últimas atuações. Ainda lhe falta um papel mais incisivo – apesar de transparecer a frustração jornalística do texto errado de maneira sincera. Já Rooney Mara faz de Lisbeth uma explosão silenciosa de fúria e tensão e pode abocanhar um Oscar de Melhor Atriz se a Academia não se render novamente a Meryl Streep.

“Os Homens Que Não Amavam as Mulheres” é um filme violento, correto e habilmente bem construído. Vá preparado. Se tem o domínio da história irá se encantar com a linguagem. Se não, surpreenda-se com o clã Vanger

 


Crie um site grátis Webnode